domingo, 9 de outubro de 2011

As notícias: abordagem semiológica. Do signo ao discurso


2.8 As notícias: abordagem semiológica. Do signo ao  discurso

Não é exagerado dizer que a semiologia e a semiótica impulsionaram os primeiros estudos sobre a linguagem do jornalismo. Fundando-se na intuição originária saussuriana da arbitrariedade do signo, muitos académicos desenvolveram uma análise mais ou menos exaustiva dos sistemas de signos postos em jogo na linguagem jornalística.

A relevância da semiologia para o jornalismo tornou-se manifesta logo que Roland Barthes lançou uma crítica ideológica da linguagem da cultura de massa (Mythologies, 1957), e fez a primeira desmontagem semiológica da linguagem, determinante para os estudos que viriam depois: a linguagem dos media franceses durante a guerra da Argélia tornou-se uma espécie de impulso inovador para as práticas de descodificação que vieram a ser praticadas no âmbito destes estudos.

A concepção da linguagem como sistema de signos convencionais e arbitrários (Barthes, 1989, pp. 11-12; Saussure, 1978: pp. 40-41) permitiu uma compreensão diversa do papel da linguagem na estruturação de relações sociais. Gerou percursos diversos no âmbito da análise da notícia, mas que convergiram em torno da sua importância simbólica, discursiva e narrativa. Alguns trabalhos de semiótica e de semiologia influenciados por Barthes embora com certa atenção às dinâmicas sociais vêm de autores que geralmente se filiam na corrente dos estudos culturais.

A semiologia foi directamente inspiradora dos trabalhos do Centro de Estudos Culturais de Birminghan que na colectânea Culture, media and language (Hall, Lowe ,Hobson e Willis, 1980) desenvolveram intuições de origem semiológica para a análise do posicionamento ideológico dos media. Em “Ecoding /Decoding”(2002), através de categorias da semiologia articuladas a uma noção marxista de ideologia, Hall insiste na pluralidade das modalidades de recepção dos programas televisivos.

Argumenta, também, que podem ser identificadas três posições hipotéticas de interpretação da mensagem televisiva: uma posição “dominante” ou “preferencial” quando o sentido da mensagem é descodificado segundo as referências da sua construção; uma posição “negociada” quando o sentido da mensagem entra “em negociação” com as condições particulares dos receptores; e uma posição de “oposição” quando o receptor entende a proposta dominante da mensagem mas a interpreta segundo uma estrutura de referência alternativa.

Na verdade, os estudos sobre a linguagem foram largamente marcados por uma convergência entre um crescente interesse na ideologia (Hall, 1977; Glasgow University Media Group, 1976), estimulado pela influência de certos autores marxistas como Gramsci bem como pela redescoberta da problematização da linguagem pela semiologia francesa (Barthes) e pela escola culturalista britânica (Hall et al., 1993) (ver a propósito Traquina, 2000, p.18).

Dois dos trabalhos mais importantes neste domínio foram Reading Television de John Fiske e James Hartley e Understanding the News de James Hartley. Hartley, nomeadamente, parte da ideia estruturalista segundo a qual um sistema é uma estrutura de elementos relacionados entre si de acordo com determinadas regras. Para o entender, é necessário distinguir os diferentes elementos uns dos outros, e demonstrar como é  que eles são seleccionados e combinados de acordo com as regas e convenções que lhe são apropriadas.

Aceitando a premissa que o valor dos signos é determinado pela sua relação com outros signos no interior do sistema, a selecção de cada palavra não é determinada pela natureza do referente mas por um processo de selecção e combinação estruturalmente regulado (Hartley, 1991, pp. 15-16).
É impossível falar das notícias como um sistema sígnico autónomo das convenções e características da linguagem (. . . ) Não é o acontecimento que é relatado que determina a forma, conteúdo, significado ou a «verdade» das notícias, mas são antes as notícias que determinam o que é que o evento significa. (Hartley, 1991, p. 15)

Hartley distingue entre sistemas de linguagem e discursos, distinguindo os segundos como diferentes formas de uso tornadas possíveis pela linguagem. O discurso implica o encontro entre sistemas de linguagem e as condições sociais: a sua compreensão exige uma atenção mais próxima às circunstâncias históricas, sociais e culturais da sua produção e consumo. Estudar um discurso específico implica atender à sua função social (Hartley, 1991, p. 6).

Apesar da importância conferida à linguagem como sistema, importa estudar os constrangimentos na análise das notícias como discurso e consequentemente o contexto em que estas funcionam: “As notícias são uma instituição social e um discurso cultural que só existe e ganha significado em relação com outros discursos e significados que operam ao mesmo tempo” (Hartley, 1991, pp. 8-9). A ideia é que os signos não expressam apenas relações entre si nem com o referente mas entre o enunciador e enunciatário (Hartley, 1991, pp. 22; 25).

Por isso, qualquer verdadeira interpretação é dialógica por natureza (Hartley, 1991, p. 26). Na actividade quotidiana de produção noticiosa, a potencial abertura dos significados é objecto de um processo de uniformização do significado em detrimento da pluralidade significativa verificando-se, por vezes, a imposição de um processo de “leitura preferencial” (Hartley, 1991, p. 63).

Os signos são condicionados pela forma de organização social em que os participantes se envolvem mas também pelas condições imediatas da sua produção. Estas, na perspectiva de Hartley, implicam a atenção à estrutura social de classes e às relações de poder e de dominação que lhe são inerentes. A vida dos signos nesta lógica é também um campo de confronto social e ideológico (Hartley, 1991, p. 74). “Podemos perceber como é que as notícias funcionam, que interesses servem, podemos recorrer a esta compreensão cada vez que vemos ou ouvimos notícias” (Hartley, 1991, p. 9).


Fonte: CORREIA, João Carlos. O admirável Mundo das Notícias - Teorias e Métodos. Portugal: Labcom, 2011. Disponível em http://www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/20110524-correia_manual_noticial.pdf acessado em 24 mai 2011

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